No tocante à subdivisão dos totais de empréstimos às atividades econômicas, têm-se na Tabela VII que, no período 1937-1952, os empréstimos destinados à agricultura e à indústria de transformação - ou manufatureira - passaram a ocupar uma posição de destaque nos empréstimos concedidos. Estes financiamentos saíram de uma participação de 33% em 1937, tiveram um pico de participação de 75% em 1945, chegando a 66% em 1952; sendo que a maior parcela destes empréstimos foi canalizada através da CREAI. Tal fato, conforme relatado, está direcionado à importância do encadeamento sobre a renda, emprego, formação de capital e conhecimentos técnicos destes dois setores para o desenvolvimento estratégico da economia brasileira no período.
Tabela VII
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Banco do Brasil: Totais de Empréstimos por Grupos Econômicos
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Anos
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Agricultura, Indústria Florestal e Extrativa (%)
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Indústria Manufatureira (%)
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Indústria da Construção (%)
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Indústria Transportes (%)
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Comércio (%)
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Diversos¹ (%)
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Total (%)
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1937
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0,17
|
0,16
|
0,05
|
0,17
|
0,40
|
0,05
|
1
|
1938
|
0,23
|
0,16
|
0,07
|
0,12
|
0,36
|
0,06
|
1
|
1939
|
0,23
|
0,20
|
0,13
|
0,08
|
0,31
|
0,05
|
1
|
1940
|
0,28
|
0,17
|
0,13
|
0,06
|
0,31
|
0,04
|
1
|
1941
|
0,32
|
0,15
|
0,10
|
0,10
|
0,28
|
0,05
|
1
|
1942
|
0,41
|
0,15
|
0,09
|
0,06
|
0,25
|
0,04
|
1
|
1943
|
0,41
|
0,20
|
0,08
|
0,05
|
0,22
|
0,05
|
1
|
1944
|
0,49
|
0,21
|
0,04
|
0,03
|
0,19
|
0,04
|
1
|
1945
|
0,59
|
0,16
|
0,01
|
0,03
|
0,19
|
0,03
|
1
|
1946
|
0,53
|
0,17
|
0,02
|
0,03
|
0,18
|
0,06
|
1
|
1947
|
0,45
|
0,20
|
0,02
|
0,02
|
0,20
|
0,11
|
1
|
1948
|
0,40
|
0,23
|
0,02
|
0,04
|
0,20
|
0,12
|
1
|
1949
|
0,41
|
0,24
|
0,04
|
0,05
|
0,19
|
0,07
|
1
|
1950
|
0,42
|
0,26
|
0,04
|
0,01
|
0,23
|
0,04
|
1
|
1951
|
0,33
|
0,29
|
0,02
|
0,02
|
0,31
|
0,04
|
1
|
1952
|
0,33
|
0,33
|
0,03
|
0,02
|
0,23
|
0,04
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1
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Fonte: Relatório Anual Banco do Brasil vários anos, Elaboração própria.
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¹ Capitalistas e Profissionais Liberais ² Saldos de fim de ano
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Como apontado, os créditos por parte do BB evoluíram para prover amparo às indústrias brasileiras, tendo alcançado o desenvolvimento da mineração do ouro, da indústria metalúrgica, têxtil, vidro neutro, cortume, fabricação de cimento e da extração de amido de mandioca, usina metalúrgica de alumínio no Estado de São Paulo, com aproveitamento da jazidas de bauxita de Poços de Caldas (MG)37. Com relação à indústria de construção, ocorreu expressivo aumento nos anos situados entre 1937 e 1940, em virtude de obras públicas de vulto, acusando aumento de 160% neste período38. No entanto, a evolução do setor transportes apresentou queda de participação em todo o período analisado.
Já o crédito destinado ao Comércio apresentou uma característica decrescente em todo o período, em virtude de sua composição temporal curto-prazista, sendo este setor impulsionado pela autoliquidação através do capital de giro das empresas. Ademais, o confronto com o movimento de empréstimos dos grandes bancos nacionais, segundo Souza Melo39, colocava o BB em segundo plano. Proporcionalmente, os bancos que formavam o grupo dos grandes bancos encontravam-se em situação incomparavelmente melhor, apresentando movimento comercial muito acima do BB, porque exerciam a sua função em limitada fração do território nacional, ou seja, no máximo em três Estados.
V. Considerações finais
Os anos 1930 estão centrados dentro de uma perspectiva de mudanças do formato institucional, político e econômico do país, inaugurado por uma série de medidas adotadas pelo governo Vargas com vistas à solidificação de um projeto chamado Nação. Este governo, ao ampliar o papel do Estado, segundo premissa desenvolvimentista, desenvolve mecanismos de controle, de regulação e de planejamento, que através dos "membros" descentralizados da "ossatura" estatal (DRAIBE, 1985) reúne os diversos interesses nacionais e os transforma em um só, o Projeto Brasil.
Como visto, o papel do Banco do Brasil nesta época é ampliado, seja como um embrião de Banco Central, seja como o maior banco comercial do país. A sua atuação através do aprofundamento institucional e aperfeiçoamento de seus mecanismos funcionais fornece apoio inicialmente decisivo para a consolidação desse Projeto Brasil, provendo fomento ao ainda incipiente setor agroindustrial. Setor este que, por intermédio do seu encadeamento na produção, emprego e na renda, representa para a economia o desenvolvimento de uma consciência da possibilidade clara de viabilizar um processo auto-sustentado de geração de riquezas baseado na industrialização.
Com adoção de mecanismos regulatórios por parte do BB, através da criação da CARED e CAMOB, não foi suficiente produzir efeitos que expandissem e alongassem temporalmente os créditos demandados pelos investimentos produtivos. Não houve um desenvolvimento bancário em nível de competição na esfera privada para que se gerassem novos produtos financeiros adequados para o funding produtivo.
No entanto, com a institucionalização da CREAI, em 1937, houve uma resposta do governo Vargas às grandes questões levantadas pela sociedade neste período. Tal fato era necessário para que permitisse alongar o passivo bancário e expandir a oferta creditícia mediante contratos de longo prazo para viabilizar, de um modo geral, a compatibilização dos dispêndios dos investimentos produtivos às suas próprias receitas.
Com o aprofundamento do papel desta Carteira no fomento ao crédito produtivo nos anos 1940, seus recursos próprios não foram suficientes para dar conta do financiamento agroindustrial. Desenvolveram-se legalmente, neste período, diversos mecanismos de recolhimento financeiro, os quais não foram também suficientes para atender os financiamentos demandados. Por fim, para atender especificamente o setor da agroindústria, dada sua importância estratégica relativa ao processo do desenvolvimento brasileiro na constituição do Estado Nação, recorreu-se às emissões monetárias via Carteira de Redescontos do Banco do Brasil. Tal processo implicou diretamente em aceleração inflacionária e foi imperiosa a necessidade de criação de fundos fiscais de forma que não se recorresse a estas emissões.
No entanto, à margem das dificuldades impostas pela aceleração inflacionária, não há como negar que, por intermédio da CREAI, houve um reforço do caráter nacional da política de crédito rural e de um embrionário setor industrial. O esforço foi concentrado em dois grandes segmentos – pecuária e algodão – os quais passavam por desenvolvimento acelerado e vislumbravam a conquista dos mercados internacionais, ou seja, direcionamento do crédito para setores que trilhavam caminho promissor em termos de diversificação dos produtos para exportação.
Ademais, com a CREAI permitiu-se financiar também uma ampla variedade de produtos em praticamente todo o país. Ou seja, tal fato esteve relacionado à necessidade de consolidar uma diversificação da estrutura agropecuária, concomitantemente ao nascimento do desenvolvimento industrial brasileiro, pois a agricultura tinha como principal papel ser a fonte de financiamento das importações brasileiras, que se destinavam em parte ao processo produtivo industrial através de insumos estratégicos.
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